No 21 de maio no Brasil, comemora-se o Dia do Afilhado. Definitivamente este foi um dos textos mais difíceis que já escrevi. Pois eu me questionei sobre como deveria abordar esse tema e foi impossível não me colocar no papel de afilhada e não trazer aqui um relato pessoal, de um lugar que eu ocupo com muito amor e reverência. Quem me inspira neste texto é seu Quebra-Pedra, meu padrinho de Amaci, seu Manoel da Proa e a Vó Conga, meus padrinhos de cruzamento. Eu acredito que o encanto destas relações que vou tentar contar aqui hoje, está na palavra: REENCONTRO.
No terreiro podemos escolher nossos padrinhos e madrinhas – físicos e espirituais. Almas que já se conhecem, que se entendem com o olhar, com o abraço por vezes tão esperado, num amor que se perpetua além dos tempos. Somos escolhidos e escolhemos alguém que vai acompanhar nossa jornada de desenvolvimento espiritual, zelar, orientar, cuidar. Seja por um afeto que se revela no dia a dia, mas muito provavelmente por uma ligação que não se iniciou agora e que não se limita apenas a este tempo. Seja ela uma escolha física ou espiritual.
Minha relação com seu Quebra-Pedra aconteceu na minha primeira gira conhecendo a casa da Vó. Era um sábado de sol e as giras aconteciam as 16h. A luz do sol que entrava por uma das saídas de ar do antigo barracão, iluminou seu Quebra-Pedra de uma maneira que não consigo explicar… Como holofote, eu fiquei hipnotizada, eu senti paz, acolhimento e respeito. E ali, eu tive a certeza de coisas que eu nem sabia.
Mas de todas as trocas que tive com meus padrinhos e madrinha, o momento em que isso mais se intensificou foi na cirurgia que precisei fazer em outubro do ano passado. Por mais que fosse algo que eu precisasse fazer, tomar aquela decisão foi difícil e me deu medo. Acredito hoje, que tive medo antecipado por passar por um dos momentos mais complicados da minha vida. E foi nessa situação que eu tive certeza que ser afilhada deles é ter quem segure firme na minha mão, nos momentos em que a vida me balança.
A vó Conga, com aquele olhar que lê a nossa alma, ouviu o meu pedido mais sincero em ter ela comigo no dia da cirurgia. E lá estava ela, do início ao fim. Naquele processo de retorno da anestesia, como ela mesma me explicou depois, ficamos num limbo entre a vida e a morte e as sensações deste momento ainda estão cravadas em mim. No hospital não pude ter um acompanhante no quarto, então passei a noite “sozinha” no hospital. As aspas aparecem, porque na verdade, sozinha foi a última coisa que aconteceu comigo. Acordava a cada visita, agradecendo a vinda… Começou com a Vó Conga e seu Quebra Pedra. Veio também a Vó Catarina, seu 7 Espadas, a Cigana Sol, seu Aruanã, dona Anastácia, as Yaras e seu Pena Branca… Veio tanta gente, que eu realmente saí daquele hospital com a certeza de que eu estava muito bem cuidada e que eu era amada. Não só pela espiritualidade, mas também pelos médiuns que são o canal para trazer eles até nós. E esse cuidado se estendeu pelos 4 meses da minha recuperação. A cada gira: um abraço, um carinho, uma palavra de conforto. Até o dia em que eu realmente estava cansada daquela situação, da não melhora como eu planejei e fui me consultar com seu Manoel da Proa. Na simplicidade dele, me fez perceber meus problemas de uma maneira diferente: amanhã vem um peixe melhor. Que devemos sempre buscar o melhor, porque se hoje não foi tão bom, amanhã será. E para encerrar com chave de ouro, minha alta veio junto ao meu cruzamento, e lá estavam todos eles e tantos outros, um por um, me visitando no roncó, mais uma vez.
Não tem como descrever o sentimento que carrego dessa parte da minha história. Eu sinto nesses cuidados todos que contei e sinto a cada gira. Em cada flor de marcelinha que a Vó Conga deixa no meu caminho naqueles momentos mais improváveis, quando sinto a mão do seu Quebra-Pedra em minha cabeça no dia a dia, quando choro só de pensar no seu Manoel Proa e sinto aquele abraço apertado…
Com toda certeza nossos caminhos se cruzam com nossos padrinhos e madrinhas por uma vontade que transcende o tempo e a vida, é coisa de alma.
Comemoro este dia ciente de que ser afilhada é saber que nunca estou só. Que sou cuidada, sou protegida, sou amada. E isso, para mim, é uma das maiores bênçãos que a espiritualidade pode me oferecer.