DIA DO CHIMARRÃO E DO BOI
Acredito que todo mundo reconheça o apito da chaleira no fogão anunciando um ritual que atravessa gerações. A água quente que encontra a erva-mate na cuia e a primeira pessoa da roda toma o primeiro gole antes de passar adiante. Essa cena representa mais um dia do cotidiano no campo, onde a tradição do chimarrão e a lida com o boi expressam uma vida enraizada no esforço, na comunhão e na espiritualidade.
No Brasil, onde frequentemente a tradição e a fé se entrelaçam, o Dia do Chimarrão e o Dia do Boi são celebrados em 24 de Abril, data escolhida em homenagem ao primeiro Centro Histórico de Tradição Gaúcha do mundo, o CTG 35, fundado no dia 24 de Abril de 1948.
Relatos históricos afirmam que os soldados espanhóis tinham como costume o uso e preparo da bebida conhecida como chimarrão, esta, transportada na garupa dos seus animais pelo estado do Rio Grande do Sul. As margens do rio Paraguai, caminho das tropas militares, tinha sua vegetação constituída basicamente por florestas de taquaras, as quais, eram cortadas e utilizadas em formato de copos como recipiente para a bebida em questão. Ainda, a bomba também era feita por pequenos canos dessas taquaras, com furos na extremidade inferior e abertura na superior.
A origem da palavra chimarrão é espanhola e portuguesa, onde, em espanhol cimarón, significa bruto, chucro, bárbaro, vocabulário este, empregado em quase toda a América Latina, caracterizando os animais domésticos que posteriormente se tornaram selvagens. O chimarrão é um símbolo de hospitalidade e convívio social. A prática de compartilhar a cuia de chimarrão fortalece laços comunitários e familiares que representam respeito, cumplicidade e amizade.
Ainda, a produção de erva-mate é uma atividade econômica vital para muitas famílias. No Paraná, estima-se que cerca de 100 mil famílias estejam envolvidas na cadeia produtiva de erva-mate. Além de seu valor cultural e social, o chimarrão desempenha um papel significativo na economia regional, com estatísticas que evidenciam sua importância:
Produção Nacional : Em 2019, o Brasil produziu aproximadamente 527.546 toneladas de erva-mate, cultivadas em 69.047 hectares, gerando um valor de produção total de R$ 576,8 milhões.
Consumo Regional: O Rio Grande do Sul é responsável por cerca de 65% do consumo nacional de erva-mate, com um consumo per capita estimado em 5,72 kg por habitante por ano. Em comparação, o consumo per capita no restante do Brasil é de aproximadamente 0,179 kg por habitante por ano.
LAÇOS QUE UNEM GERAÇÕES
Como já dito, o chimarrão é bem mais que uma bebida. Aprender a preparar um Mate é um rito de passagem.
Os mais velhos ensinam aos mais novos os cuidados com a erva, a respeitar a ordem da roda e entender que o mate não apenas mata a sede, mas fortalece os laços. Acredito que, se há uma lição que o ato de passar a cuia nos ensina é que: ninguém está sozinho! Seja no campo ou na cidade, há sempre um ombro amigo, alguém para dividir uma conversa, um conselho, ou até mesmo um momento de silêncio compartilhado. No brilho do olhar do avô que entrega a cuia ao neto pela primeira vez, há também a transmissão de um legado.
Acredito ainda, que o chimarrão nos ensina outra lição: a vida se saboreia aos poucos, sem pressa! Com respeito pelo tempo e pela presença do outro. Assim como o povo tropeiro que seguia viagem sob o céu estrelado, cada gole é uma pausa para relembrar aquilo que realmente importa: as histórias, os ensinamentos e o amor que nos mantêm unidos.
Também, desde os tempos antigos, o boi sempre foi muito mais que um animal de carga. Foi companheiro de jornada, força da terra e símbolo de prosperidade. No sertão, o vaqueiro aprendeu cedo que para lidar com o gado exige mais que habilidade; exige paciência, respeito e conexão com os ritmos da natureza. Quem já viu um boiadeiro tocando a boiada sabe que alí não há apenas trabalho, há arte! O estalar do chicote, o berrante chamando a tropa e o olhar atento garantem que nenhum animal fique para trás. E há também o peso da responsabilidade, o dever de proteger o rebanho, de atravessar caminhos difíceis e de seguir em frente, sempre firme, sempre resiliente.
O dia do boi é, acima de tudo, um dia de honra àqueles que vivem dessa lida. É uma homenagem ao pai que ensina o filho a cavalgar, ao tropeiro que passa meses na estrada, ao trabalhador que acorda antes do sol para garantir o sustento da família. É um lembrete de que o suor derramado no campo constrói não apenas cidades e economias, mas histórias de amor, sacrifício e superação.
E assim como os tropeiros protegem a boiada, há aqueles que protegem os caminhos da vida. Os Boiadeiros da Umbanda são espíritos de luz que conhecem as dificuldades da jornada terrena. Eles foram vaqueiros, peões e trabalhadores do campo que, após a morte, retornam para auxiliar aqueles que precisam de força, direção e coragem. Com a mão forte, quebram demandas, limpam os caminhos e afastam tudo o que impede o crescimento. Eles falam pouco, mas dizem o essencial. E suas palavras são como a estrada: diretas, sem curvas desnecessárias, sem rodeios.
Os Boiadeiros trabalham com energia bruta, mas carregam um coração generoso. Protegem as famílias, orientam aqueles que estão perdidos e, assim como na vida, nunca deixam ninguém para trás. Se tem algo que essa linha nos ensina é o profundo respeito pela tradição, pela família e pelo trabalho. Essas são forças que moldam caráter, que ensinam a importância da paciência e que mostram que o verdadeiro sucesso não está na riqueza, mas na solidez dos laços que construímos ao longo da vida.
O avô que ensina o neto a preparar um mate está transmitindo mais do que um costume, está ensinando sobre respeito e partilha. O pai que acorda cedo para guiar a boiada não está apenas garantindo o sustento, está mostrando que a responsabilidade e o esforço são valores que sustentam uma casa. O Boiadeiro que desce no terreiro não está apenas protegendo, está lembrando que a fé e a coragem são os verdadeiros caminhos para a liberdade.
Em um mundo que se move tão rápido, essas tradições nos convidam a pausar, olhar ao redor e valorizar o essencial. O cheiro da erva-mate, o som dos cascos no chão batido, o abraço apertado do avô que entrega a cuia dizendo: “toma um mate, meu filho”. São esses pequenos momentos que nos mantêm enraizados, que nos fazem lembrar que, apesar das dificuldades, somos fortes, somos unidos, somos parte de algo maior.
Quem esteve presente na última gira de boiadeiros da nossa casa com certeza saberá do que estou falando! Seu Zé do Pasto feliz, sorrindo. A roda de mate, música e história. Simplicidade. Família.
“Que nunca nos falte o mate quente para aquecer o coração. Que nunca nos falte a coragem para enfrentar a estrada. E que os Boiadeiros sigam abrindo os caminhos, guiando nossos passos e nos ensinando, dia após dia, o verdadeiro significado da palavra família.”