Ontem no fim da gira os pais falaram algo que tocou direto em meu coração. Explicaram que para algumas pessoas a vibração dos erês é muito difícil por diversos motivos, um deles é que a pessoa pode ter tido uma infância difícil, uma infância a ser curada. Meu caso.
Minha infância como autista, em uma família que não aceitava minha condição, foi traumática. Com uma mãe narcisista e extremamente violenta, que tudo ela corrigia e curava com surras terríveis, me via sempre escondida, tanto de mim mesma quanto do mundo.
Na fase adulta passei por uma depressão profunda e cheguei a ficar internada em hospital psiquiátrico por um mês.
Começamos a frequentar e conhecer a umbanda quando minha filha mais nova nasceu, ou seja, há 13 anos. E como assistência me sentia extremamente incomodada quando chamavam para o passe com os erês. Contraía todos os meus músculos e não conseguia ver nada de divertido naquilo, muito pelo contrário, para mim era sofrido.
Depois de um tempo vesti o branco. Fui cambone por mais de um ano e nunca senti nenhuma vibração naquela casa. Mas sentia uma dívida de gratidão, pois lá houve minha cura da depressão através do médico do Pai João, que fundou o Terreiro do Pai Joaquim que hoje é o nosso Firmina do Rosário. Como membro da corrente a gira de erês era também a mais difícil para mim. Distribuir os doces, conversar com eles… nada era natural e eu não via a hora daquilo acabar.
Quando entrei para a corrente do Terreiro Firmina do Rosário entendi que ali era minha casa, mas ainda teria que passar pela temida chegada dos erês. Na primeira vez foi desconfortável como nas outras, mas na segunda Cidinha se apresentou para mim, não por incorporação, mas veio conversar comigo. Disse que sabia que eu tinha medo e sabia do que eu tinha medo, principalmente. Meu medo era entrar em contato com a minha criança interior que estava machucada.
Entrar em contato comigo criança sempre foi um medo enorme por ser gatilho para crises. Demorou, mas com o tempo a Cidinha foi me explicando sobre os registros akashikos e me dizendo que eu não precisava ter medo da minha criança e nem me considerar uma criança triste, porque no fundo eu ainda era criança. Foi me fazendo entender que o que passou foi parte da minha infância, mas decidir se eu teria uma infância feliz estava nas minhas mãos.
Então foi me mostrando tantas vezes em que estava presente comigo, principalmente quando estou sozinha com a Isabela, que segundo ela é a melhor amiga dela. Sim, quando estou com a Isabela ela tira de mim a criança mais travessa que existe. Fui então percebendo que não precisava “prender” minha criança e fugir dela, mas, ao contrário, deixar ela sair e ser feliz.
Foi assim que recebi a Cidinha pela primeira vez, com a leveza de alguém que me ensinou e tratou meus traumas mais profundos apenas me fazendo brincar. Sim, parece simples, mas eu não conseguia brincar com as minhas filhas quando elas eram pequeninas, isto ficava mais para o pai que acabava parecendo ter a idade delas.
Eu achava que o nome dela era Cida, mas me corrigiu, é Aparecida, mas ela prefere Cidinha porque Aparecida é nome de vó. Então hoje caminho leve com a minha erê e de vez em quando a Isabela quando não me aguenta mais começa a cantar: “Andorinha que voa, voa andorinha / Leva as crianças pro céu…”
É engraçada, é leve, é a Cidinha!