TIRADENTES
No dia 21 de abril, o Brasil homenageia Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, um dos maiores símbolos de resistência e luta pela independência do país. Ele foi o rosto mais lembrado da Inconfidência Mineira, movimento que, no século XVIII, tentou libertar o Brasil do domínio de Portugal. Tiradentes pagou com a própria vida por sonhar com um país livre. Foi preso, condenado e enforcado em 1792. Mas sua morte não foi o fim. Pelo contrário: seu nome se tornou imortal e seu espírito de luta ecoa até hoje em todos que buscam justiça e liberdade.
Porém, quando falamos de liberdade, não podemos esquecer que a maior parte da população brasileira naquela época era de negros escravizados. Enquanto Tiradentes e seus companheiros tentavam conquistar a independência política, o povo negro travava outra luta tão ou mais importante: a liberdade do corpo, da alma e da fé.
No século XVIII, o Brasil era uma colônia de Portugal e sofria com altos impostos e exploração. O ouro de Minas Gerais enriquecia a Coroa portuguesa, enquanto o povo vivia na miséria. Para piorar, foi criada a Derrama, um imposto que obrigava os mineiros a entregar ouro mesmo quando a produção estava baixa. Cansados dessa injustiça, um grupo de intelectuais, fazendeiros e militares decidiu lutar pela independência. Esse grupo ficou conhecido como Inconfidentes, e entre eles estava Tiradentes.
Ele era alferes (uma espécie de oficial de baixa patente) do exército, mas ficou mais conhecido por ser dentista, tropeiro e comerciante, o que lhe garantiu o apelido de “Tiradentes”. Com um espírito revolucionário, falava abertamente sobre a importância da liberdade. No entanto, a conspiração foi descoberta antes mesmo de se concretizar, e os líderes foram presos.
No dia 21 de abril de 1792, Tiradentes foi enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro. Seu corpo foi espalhado por Minas Gerais como um aviso para que ninguém mais tentasse se rebelar contra Portugal. Mas a morte não silenciou sua luta. Pelo contrário: Tiradentes virou um símbolo da resistência contra a opressão, assim como os líderes negros que lutaram contra a escravidão e pela liberdade religiosa.
Enquanto a elite branca do Brasil lutava pela independência política, os negros lutavam pela sua própria libertação em vários níveis. Além do sofrimento físico e da exploração no trabalho forçado, o povo africano também enfrentou uma opressão religiosa. Os colonizadores europeus impuseram a religião cristã como única forma de fé permitida. O catolicismo foi usado para justificar a escravidão, com padres ensinando que os negros deveriam “aceitar seu destino” e “servir aos senhores como serviam a Deus”. Mas a espiritualidade africana é forte. Mesmo proibidos de cultuar seus orixás, os negros encontraram uma forma de resistir: o sincretismo religioso.
O sincretismo foi uma estratégia usada pelos escravizados para preservar seus cultos, associando os orixás a santos católicos.
Assim, Xangô foi sincretizado com São Jerônimo, Ogum com São Jorge, Iemanjá com Nossa Senhora da Conceição, e assim por diante. Durante o dia, os negros eram obrigados a rezar nas igrejas. À noite, escondidos nas senzalas e nos quilombos, eles cultuavam seus verdadeiros deuses, através de cantos, danças e lutas. A luta do povo negro pela liberdade religiosa foi tão intensa quanto a luta de Tiradentes pela independência. Assim como ele enfrentou a opressão portuguesa, os africanos enfrentaram a opressão cristã imposta pelos colonizadores.
Essa resistência religiosa nunca acabou. Mesmo após a abolição da escravidão, as religiões de matriz africana continuaram sendo perseguidas. Até hoje, terreiros são atacados e discriminados, mostrando que essa luta ainda não terminou. Foi dessa resistência que nasceu a Umbanda, uma religião 100% brasileira, que carrega a força dos orixás, dos caboclos, dos pretos velhos e de todos que lutaram pela liberdade espiritual.
Essas duas lutas, embora distintas, estavam unidas pelo mesmo desejo de liberdade e dignidade. A resistência de Tiradentes, assim como a resistência religiosa dos negros, marcou para sempre a construção da identidade e da cultura brasileiras. Até hoje, essas lutas continuam, lembrando-nos de que a liberdade é um direito que deve ser conquistado e preservado por todos.
“A verdadeira luta por liberdade vai além da política; ela abrange a liberdade do corpo, da alma e da fé. Quando um povo resiste, não luta apenas contra as correntes físicas, mas contra os grilhões invisíveis da opressão social, religiosa e cultural que tentam apagar sua identidade e dignidade.”
REFERÊNCIAS: PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994; ALMEIDA, Rafael. A Inconfidência Mineira de 1789. UFMG; FOCAS, Júnia. Inconfidência Mineira: A história dos sentidos de uma história. Faculdade de Letras UFMG, 2002. Dia de Tiradentes. CREA-SC. DIA DE TIRADENTES – CÂMARA MUNICIPAL DE PAPAGAIOS. COSTA, Hulda. Umbanda, uma religião sincrética e brasileira. Goiânia. PUCGOIAS, 2013.