O termo “Romani povo” refere-se ao conjunto de grupos étnicos conhecidos popularmente como ciganos, originários do noroeste da Índia e que, a partir do século XI, iniciaram uma longa jornada de migração pela Ásia, Europa, África e Américas. No Brasil, são oficialmente reconhecidos três grupos principais: os Rom, os Sinti e os Calon, cada qual com suas tradições, dialetos e espiritualidades.
Apesar das inúmeras adversidades enfrentadas ao longo da história — perseguições, marginalizações e preconceitos —, o povo Romani manteve vivas suas raízes culturais, sua espiritualidade forte e sua conexão profunda com os mistérios da vida e da fé.
Santa Sara Kali: A Negra Santa do Mar
Dentro dessa rica espiritualidade está a devoção a Santa Sara Kali, tida como padroeira do povo cigano. A tradição oral e diversas lendas afirmam que Sara era uma escrava egípcia ou indiana, de pele escura (“Kali” significa “negra” em sânscrito), que teria seguido Maria Madalena, Maria Salomé e Maria Jacobé, fugindo da perseguição aos cristãos.
Conta-se que, durante a fuga, foram colocadas em uma barca sem remos, lançadas ao mar, à deriva. Guiadas pela fé, a barca milagrosamente chegou ao porto de Saintes-Maries-de-la-Mer, na região da Camarga, sul da França, onde hoje existe um grande santuário dedicado às três Marias e a Santa Sara.
Segundo a lenda, Sara foi rejeitada por sua cor e por ser escrava, mas sua fé e coragem a tornaram símbolo de resistência. Dizem que ela orava com véu na cabeça à beira-mar pedindo salvação para o povo em fuga. Sua imagem emergiu das águas e, desde então, tornou-se símbolo de esperança, igualdade e acolhimento.
A Igreja Católica reconhece Santa Sara como padroeira dos ciganos, embora sua canonização não tenha sido oficializada pelo Vaticano. Ainda assim, milhares de fiéis — ciganos e não ciganos — peregrinam todos os anos ao seu santuário na França, em 24 e 25 de maio .
Sara Kali na Umbanda
Na Umbanda, Santa Sara Kali é respeitada como uma espiritualidade elevada ligada à Linha dos Ciganos, sendo celebrada por seu papel como guia de sabedoria, amor e liberdade. No terreiro Firmina do Rosário, Sara Kali possui um cantinho só dela, com velas, flores e objetos coloridos, representando a força feminina, o acolhimento e a ancestralidade.
Ela é invocada especialmente em trabalhos espirituais de abertura de caminhos, de fortalecimento da alma, de cura de feridas emocionais e de conexão com a energia cigana que dança, celebra e transforma com leveza e poder.
Trechos Bíblicos Relacionados à Tradição de Sara Kali
Ainda que Santa Sara não apareça diretamente na Bíblia, sua figura é conectada espiritualmente a diversas passagens que falam de acolhimento, fé e justiça divina para os rejeitados:
Gálatas 3:28 – “Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.”
Mateus 25:35-36 – “Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era estrangeiro, e me acolhestes; estava nu, e me vestistes.”
Lucas 1:52-53 – “Derrubou dos tronos os poderosos e exaltou os humildes. Encheu de bens os famintos, e despediu vazios os ricos.”
Essas passagens ilustram a mensagem universal de inclusão e justiça que Sara Kali representa para o povo cigano e para todos os que, como ela, já foram marginalizados.
Uma Santa que Venceu o Mar e o Preconceito
Santa Sara de Kali é a Maria que não foi aceita, mas que, mesmo assim, tornou-se santa. É símbolo de uma fé que resiste, de um povo que dança mesmo diante da dor, e de uma espiritualidade que não cabe em rótulos, mas se manifesta com força nos corações que creem.
No terreiro Firmina do Rosário, sua presença é celebrada com flores, incensos, danças e orações, nas giras de ciganos e ciganas.
Salve Santa Sara Kali!
Optchá a todo o povo Cigano!
Fontes de pesquisas: Fraser, Angus. The Gypsies. Wiley-Blackwell, 1995; “Santa Sara Kali: A Padroeira dos Ciganos” – Portal Vatican News/Vatican.va; Prandi, Reginaldo – Heróis e Deuses: Africanos e Afro-brasileiros na Metrópole. Companhia das Letras, 2001.